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quarta-feira, 13 de maio de 2009

PALAVRAS SINCERAS E HONESTAS.

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Texto de autoria do Filósofo PAULO GHIRALDELLI. O professor Msc EVERARDO LUZ me enviou e agora publico aqui no Blogue. Muitos pedagogos não irão entender a mensagem, mas mesmo assim está aí.
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O CURSO DE PEDAGOGIA NO CENTRO DAS MEDIDAS ATUAIS
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Santarém é um lugar lindo. Fica no Pará, no meio da mata e na beira do rio Tapajós. Lá existem várias faculdades. Na que eu estive, a ULBRA, fui bem recebido. E comi peixe com professoras amigas - gente boníssima e inteligente. A maioria dos que assistiram a minha palestra entendeu o recado. Mas, como em todo lugar há os que não gostam de ouvir verdades, houve os que não gostaram. Para alguns, minhas críticas à formação do pedagogo, doem demais. Eu insisto em falar aos recalcitrantes. Estes são os que não querem ouvir o que todo mundo sabe: pedagogo tem má fama. Agora, a má fama é justa ou não?
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Qual a razão de pedagogo ter má fama? Qual a razão dos pedagogos serem tomados por seus colegas de ciências humanas como “menos preparados”? Afinal, há historiador, filósofo, antropólogo, sociólogo e muitos outros que poderiam ser chamados de “despreparados” ou, mais grosseiramente, de “imbecis”, não é verdade? Todavia, mesmo quando algum deles se sai mal, não é o grupo todo que sofre. O grupo não paga pelas bobagens do indivíduo. No caso da moça que fez pedagogia, não é assim. Basta a pedagoga fazer algo errado e há o coro: “só podia mesmo ser pedagoga”. A pedagogia é vista como a ovelha negra da família das Humanidades ou das Licenciaturas. O que há de concreto nisso? É conceito ou preconceito?
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Há algo de concreto nisso. Pode parecer preconceito. Pode ser preconceito em alguns. Mas é o conceito que é o alimento. E vou explicar aqui, novamente, aquilo que expliquei em Santarém.
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Quando um professor de história não sabe matemática, mesmo a de colégio, ele é perdoado. Quando um sociólogo não sabe biologia, mesmo que o que se cobre dele sejam noções básicas, ele não é criticado. Quando um filósofo não sabe química para iniciantes, isso é visto como normal. Mas um pedagogo que não sabe o conteúdo das disciplinas ensinadas na escola de nível médio, ele não passa desapercebido. Ele é visto como um profissional que não poderia exercer a profissão que exerce. E isso por que ele é o diplomata do trabalho educacional. Isto é, ao menos em tese, ele é aquele que, entre outras coisas, estabelece as relações entre os professores e o saber escolar envolto em técnicas didáticas, relações que estarão por eles direcionadas para objetivos filosóficos e sociais. Ele estabelece contato efetivo entre esses elementos, garantindo que a relação ensino-aprendizagem aconteça de modo ótimo, exatamente na medida em que sua atuação diplomática não falha. Ora, para que a ação diplomática não falhe é necessário que o diplomata conheça as partes que estão se relacionando - muito bem. Como fazer a diplomacia entre chineses e americanos se não se conhece bem o modo de vida e a cultura de chineses e americanos? Como que o pedagogo pode estabelecer relações entre o saber e o professor, criticando e propondo técnicas de ensino para este, de modo que a relação ensino-aprendizagem ocorra, se ele é um ignorante naquele conteúdo específico que é a atividade do professor que ele critica, e para o qual quer propor novas técnicas? Como ele pode querer propor objetivos filosóficos e sociais para o professor se ele desconhece o modo que o professor leva adiante sua aula, já que não sabe em que implica o conteúdo com o qual professor lida?
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O que digo é que o pedagogo não pode querer melhorar a relação ensino-aprendizagem na escola, ou em qualquer outro lugar - sendo que esta é sua mais importante tarefa - se ele próprio não entende a dinâmica dos conteúdos que estão nutrindo a relação ensino-aprendizagem. E tais conteúdos são “a matéria”, aquilo que preenche a “disciplina”. O pedagogo pode chegar na sala do professor e dizer: “olha, meu amigo professor, penso que você esta se esquecendo de que 40% dessa turma não está aprendendo biologia, que é a sua disciplina - você já reparou nisso?”. O professor pode retrucar: “sim, já reparei, mas e daí? Eu ensino, eu tenho paciência, eu explico mil vezes, mas há os que não aprendem”. Como que o pedagogo poderia, nesse caso, sugerir uma técnica de ensino de biologia, sem ele próprio dominar o conteúdo de biologia da escola média, pela qual ele passou? Seria possível? Creio que não. E o professor de biologia, criticado, também acredita que não. E é nessa hora que recai nas costas do pedagogo a fama de “despreparado” ou mesmo de “inculto”.
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Mas o pedagogo, atualmente, não atua só no âmbito da orientação educacional, supervisão escolar e direção escolar. Ele, agora, bem mais do que no passado mais longínquo ou recente, é o principal candidato a assumir a condição de “professor em sala de aula” nas séries iniciais da escola de nível fundamental. Então, pior ainda, pois parece que nessa situação ele está ainda mais sujeito a ficar na berlinda. Eu argumento por isso abaixo.
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A normalista que não tinha o nível superior, nos anos cinqüenta e sessenta, e que era responsável pela alfabetização, ensino de matemática e aritmética, ensino de ciências e humanidades e outras coisas, jamais pensava que era possível ela ter técnicas sem, antes, dominar os próprios conteúdos ensinados. Hoje, o pedagogo que chega à sala de aula para fazer o trabalho que foi feito pela normalista no passado, está informado por psicopedagogias de todo tipo e estudou metodologia da matemática, metodologia do ensino de língua, etc. No entanto, ele próprio tem dificuldade de dividir números com casas decimais, jamais conseguiu extrair uma raiz quadrada, é péssimo em gramática e não consegue fazer uma redação correta. E olhe lá se não confunde o “fim do tráfico negreiro” com a “abolição da escravatura”, como confundia uma professora de História da Educação da Faculdade de Educação da USP, que deu aulas para minha esposa, Francielle (recentemente)[1]. Como podem ensinar? Podem se esconder em um pseudo-saber dado nos cursos de pedagogia? Podem ficar agachados atrás do biombo do título “curso superior”?
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O que fazer, quando se é um estudante do curso de pedagogia ou mesmo alguém já formado? Assumir o título de “despreparado” ou “incompetente” ou ter vergonha e orgulho próprio e, então, dizer para si mesmo: “fiz a escola de modo descuidado, mas não vou ficar assim, não vou pegar meu diploma de pedagogia e ser um professor ridículo, vítima de chacota, vou aprender o que não aprendi, para então discutir as metodologias que tenho de discutir”. Sim - é assim que se fala. Todavia, os covardes, os eternos derrotados que, enfim, não conseguem assumir a responsabilidade de serem bons professores por si mesmos, vão ficar revoltados comigo por eu falar a verdade, aquilo que todos sabem, mas que poucos dizem. Estes, os que ficam revoltados comigo, infelizmente terão apoio para continuarem assim, isto é, com professores ruins. Serão apoiados por boa parte dos que escrevem sobre educação no Brasil. E isso por dois motivos.
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1) Hoje, a “onda” na área de educação são os autores de “auto-ajuda”. Chalitas, Augusto Curys e Içami Tibas se transformaram em “filósofos da educação” e, a preço de ouro, fazem um discurso vazio que já domina até mesmo cursos de pós-graduação em educação em nosso país. Essa gente é pior que Paulo Coelho. E logo, se continuarmos assim como estamos, vamos ver a “Super Nani” dirigindo os cursos de pós-graduação em educação e, ao final de algum tempo, ela será a coordenadora da área de Educação da CAPES. Estes, os escritores de auto-ajuda (principalmente os que se meteram no campo educacional), em geral são pessoas que eram profissionais liberais e, então, fracassando como tal, fecharam seus consultórios e apelaram para o “mercado de palestras” e de “livros fáceis”. Nunca foram professores para valer. Nunca se dedicaram à carreira em educação, em pesquisa e ensino, seriamente. Ora, essa gente, mesmo que estivesse interessada em melhoria da educação, não saberia o que dizer de concreto e útil, muito menos saberia o que dizer a respeito dos cursos de pedagogia.
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2) Mas e os autores da minha geração, que não foram por essa via, poderiam fazer diferente? Eles podem me acompanhar nas críticas à formação do pedagogo? Vários deles, em conversas reservadas, concordam comigo. Mas não falam isso publicamente. Os autores da minha geração, ao menos aquela que, em educação, fez o programa de Filosofia e História da Educação da PUC-SP entre o final dos anos setenta e início dos anos oitenta, será que teriam coragem de agir radicalmente diferente dos que têm a fala vazia, e então fazer coro com a crítica que levo adiante? É difícil dizer sim. Eles temem um tipo não saudável de corporativismo dos pedagogos. E, então, por omissão, até o alimentam. Consciente ou inconscientemente, há o temor de “ficar queimado” diante de um grupo que sempre os convida para palestras e que, afinal, adotam aqui e ali seus livros. Quando criticam, o fazem de modo muito superficial. Pois qualquer crítica ao curso de pedagogia é lida pelos pedagogos corporativistas e pouco corajosos como sendo uma tentativa de fechar o curso ou de diminuir os pedagogos. Os corporativistas da pedagogia não percebem que minha intenção é justamente o contrário. Às vezes percebem, todavia, seguir a minha sugestão envolve ter de ser responsável com os estudos. Nem todos querem essa via.
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É com esse corporativismo que não compactuo. Não posso pensar o bem do meu país e, ao mesmo tempo, compactuar com isso. Pois sei bem que o curso de pedagogia, como ele ocorre em nossa sociedade atualmente, não prepara bem os pedagogos. Não lhes dá uma formação rival daquela formação que a normalista, sem curso superior, tinha nos anos cinqüenta e sessenta. Como está, tais cursos não formarão o pedagogo como diplomata do trabalho educacional e também não o formarão professor.
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Pois bem, e o que isso implica para o país? Implica na derrota de sonhos recentes que, a meu ver, não poderiam virar derrotas. Pois se virarem derrotas, não saberemos mais o que fazer. Se não tivermos professores das séries iniciais de nossa escola capazes de ensinar bem, como fazia a normalista dos anos cinqüenta e sessenta, não haverá política educacional que resolva nosso problema crônico em educação. O Fundeb é algo que conquistamos e não é pouca coisa. O Plano de Desenvolvimento da Educação (o PDE) tem medidas interessantíssimas que poderão nos fazer dar um enorme salto na educação. Mas esses dois elementos de política educacional estão com pés de barro. Pois não há no Brasil uma escola capaz de formar bem o professor das series iniciais. A professora da “escola de ler, escrever e contar”, que alfabetizou todos nós que estamos entre os quarenta e cinco e sessenta anos, não existe mais na ativa - e não temos escolas para repor esse tipo de professor em nosso meio. Os que são responsáveis pelos cursos de pedagogia não percebem, ou não querem perceber, que quem se matricula nesses cursos fez poucos pontos no vestibular, isso de um modo que pode comprometer o curso, até inviabilizá-lo. Não raro, são estudantes que mostram que não sabem as matérias da escola média, talvez nem mesmo as matérias dos oito anos iniciais do ensino básico. Como serão professores? Não há um modo de, em trabalho de emergência, melhorar isso? E não há um modo de, no futuro próximo, fazer o curso de pedagogia lembrar o aluno, de maneira forte, que ele precisa saber matemática, português, história, etc., em seu nível básico, pois não poderá ser um bom articulador de didáticas gerais se não for um bom articulador de didáticas específicas? Aliás, nem mesmo um bom crítico educacional ele poderá ser se não puder entender o que ocorre em sala de aula no contexto mais específico da aprendizagem, ou seja, no contexto do ensino mesmo da “matéria” de cada “disciplina”.
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O PDE erra quando se dirige ao ensino a distância para formar professores ou quando força nossa imaginação na direção da “federalização da educação” sem nos munir de uma escola de formação de professores. O PDE não poderá dar certo se, antes de tudo, não for capaz de recriar uma escola de formação de professores. Essa escola pode ser o curso de pedagogia? Pode e deve ser, na atual circunstância. Mas não só. Seria necessário recriar no próprio ensino médio a escola normal. E dar condições para as que sobreviveram, as que conseguiram escapar da leitura errada e maligna que grupos pouco honestos fizeram da LDB de 1996.[2] É necessário recriar algo como foi o CEFAM no Estado de São Paulo, no final dos anos oitenta. E para que tal se sustente, seria interessante abrir um mercado de trabalho para a professora ou professor de tal curso. Como fazer isso? Simples: agora, que ampliamos o ensino obrigatório para nove anos, seria o momento ideal para fazermos isso; pois poderíamos colocar o formado na escola normal de nível médio para se responsabilizar pelas crianças de seis anos, que agora irão para a escola.
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Em suma, eis que nos falta pensar seriamente: primeiro, o Fundeb e o PDE não darão frutos sem uma atenção ao curso de pedagogia, em especial vendo como é possível que esse curso recupere a falta de conhecimento das disciplinas essenciais do ensino médio; segundo, também não poderão dar os frutos esperados sem recriarmos a Escola Normal de nível médio, colocando-a como aquela instituição que deverá formar os professores do que até bem pouco tempo chamávamos de “pré-escola”.
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[1] Francielle nasceu em Ibitinga em 1985. Fez o curso normal. Sempre estudou em escola pública, no interior de São Paulo. Prestou o vestibular na USP, para pedagogia, e passou. Não conseguiu suportar a mediocridade do curso, e então saiu da USP e foi fazer filosofia no Mackenzie. Vi vários outros bons alunos, bons estudantes, largarem o curso de pedagogia, desencantados.
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[2] O caso mais criminoso desse fase, entre vários que vi, foi o da UNESP. Alguns grupos de professores da UNESP, comandados por um reitor de pouco escrúpulo, criaram o “pedagogia cidadã”. Leram a LDBN como se esta mandasse fechar a escola normal de nível médio (na verdade, a LDBN garantia e garante a existência de tal escola), para poderem criar cursos de pedagogia aligeirados, que iriam formar os professores todos (que já eram formados - eram normalistas!) do Brasil.
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PAULO GHIRALDELLI JR.
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Filósofo e Educador.
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